Uma
das formas mais comuns de discriminação racial e social na sociedade
contemporânea é negar o acesso a serviços públicos para comunidades notadamente
pobres e negras. O interessante é que isso, geralmente, acontece debaixo do
nariz da sociedade. É isso que ocorre com o “Cabelo Seco”, ou Francisco Coelho,
o bairro mais antigo da cidade.
Diz
a história que Marabá começou lá, mas por incrível que pareça, o bairro é um
dos menos favorecidos com políticas públicas, principalmente de
infra-estrutura.
A
iluminação pública é precária; a urbanização da orla do Rio Tocantins não
chegou até lá; as obras do PAC-2 nunca foram concluídas; e o local onde os rios
Itacaiúnas e Tocantins se encontram (que poderia ser um ponto turístico de
Marabá) está coberto de mato. Ninguém se importa.
A
pergunta que se faz diante de uma situação dessas é “por quê?”
No
Cabelo Seco moram pessoas de bem, famílias que têm uma história ali, pescadores
e lavadeiras que ainda penduram a roupa no varal que fica bem no meio da rua.
Definitivamente
o Cabelo Seco é uma comunidade, essencialmente, negra, de baixo poder
aquisitivo e esquecida.
Existe
até um processo de apagamento do nome “Cabelo Seco”, para que o local seja
chamado mesmo pelo nome oficial de Francisco Coelho. Para muitos, isso é uma forma
de fazer as novas gerações se esquecerem de que o bairro foi povoado a partir
das “negras do cabelo seco”, numa época bem distante dos alisamentos e escovas
permanentes.
Consciência Negra – Foi para refletir sobre
isso que professores e estudantes ligados ao movimento Debate e Ação, da UFPA, junto
com ativistas do N’Umbuntu (Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Relações
Étnico-Raciais, Movimentos Sociais e Educação), estiveram no bairro, na
terça-feira, 20 de novembro, Dia da Consciência Negra.
Intitulado
“Cabelo Seco, raiz da diversidade marabaense”, o evento foi realizado na
pracinha do bairro durante todo o dia, com artesanatos, pintura de camisetas,
desfile da beleza negra (para crianças), apresentação de danças regionais e um
arrastão pelas ruas da Marabá Pioneira.
Todas
essas atividades, afora os discursos de algumas lideranças, tiveram o objetivo
de resgatar as raízes marabaenses, reafirmar a luta das classes oprimidas e
mostrar para a sociedade que é um erro “abandonar” o Cabelo Seco, assim como
outras áreas carentes de políticas públicas em Marabá.
Apesar
do caráter urgente e sério que o assunto requer, o evento foi descontraído, com
danças, música, filme, muitas crianças se divertindo e um arrastão que tomou as
ruas da Marabá Pioneira e “explodiu” na Orla do Rio Tocantins, onde um pequeno
grupo de pessoas se reuniu para ouvir músicas e cantar.
E
o mais interessante é que, dessa vez, a música que se ouviu não emanou dos sons
automotivos “envenenados”, que se notabilizam mais pelo volume do que pela
qualidade. Não, dessa vez não. Dessa vez o som veio mesmo foi da garganta dos
ativistas, do tambor e das latinhas secas de cerveja, que viraram instrumentos
musicais.
Enfim, pela primeira vez, depois de muito tempo, as
músicas de Chico Buarque e Gilberto Gil foram ouvidas na Orla de Marabá, num
dia para ser lembrado.