Páginas

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Cabelo Seco: Um dia para ser lembrado






Uma das formas mais comuns de discriminação racial e social na sociedade contemporânea é negar o acesso a serviços públicos para comunidades notadamente pobres e negras. O interessante é que isso, geralmente, acontece debaixo do nariz da sociedade. É isso que ocorre com o “Cabelo Seco”, ou Francisco Coelho, o bairro mais antigo da cidade.
Diz a história que Marabá começou lá, mas por incrível que pareça, o bairro é um dos menos favorecidos com políticas públicas, principalmente de infra-estrutura.
A iluminação pública é precária; a urbanização da orla do Rio Tocantins não chegou até lá; as obras do PAC-2 nunca foram concluídas; e o local onde os rios Itacaiúnas e Tocantins se encontram (que poderia ser um ponto turístico de Marabá) está coberto de mato. Ninguém se importa.
A pergunta que se faz diante de uma situação dessas é “por quê?”
No Cabelo Seco moram pessoas de bem, famílias que têm uma história ali, pescadores e lavadeiras que ainda penduram a roupa no varal que fica bem no meio da rua.
Definitivamente o Cabelo Seco é uma comunidade, essencialmente, negra, de baixo poder aquisitivo e esquecida.
Existe até um processo de apagamento do nome “Cabelo Seco”, para que o local seja chamado mesmo pelo nome oficial de Francisco Coelho. Para muitos, isso é uma forma de fazer as novas gerações se esquecerem de que o bairro foi povoado a partir das “negras do cabelo seco”, numa época bem distante dos alisamentos e escovas permanentes.
Consciência Negra – Foi para refletir sobre isso que professores e estudantes ligados ao movimento Debate e Ação, da UFPA, junto com ativistas do N’Umbuntu (Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Relações Étnico-Raciais, Movimentos Sociais e Educação), estiveram no bairro, na terça-feira, 20 de novembro, Dia da Consciência Negra.
Intitulado “Cabelo Seco, raiz da diversidade marabaense”, o evento foi realizado na pracinha do bairro durante todo o dia, com artesanatos, pintura de camisetas, desfile da beleza negra (para crianças), apresentação de danças regionais e um arrastão pelas ruas da Marabá Pioneira.
Todas essas atividades, afora os discursos de algumas lideranças, tiveram o objetivo de resgatar as raízes marabaenses, reafirmar a luta das classes oprimidas e mostrar para a sociedade que é um erro “abandonar” o Cabelo Seco, assim como outras áreas carentes de políticas públicas em Marabá.
Apesar do caráter urgente e sério que o assunto requer, o evento foi descontraído, com danças, música, filme, muitas crianças se divertindo e um arrastão que tomou as ruas da Marabá Pioneira e “explodiu” na Orla do Rio Tocantins, onde um pequeno grupo de pessoas se reuniu para ouvir músicas e cantar.
E o mais interessante é que, dessa vez, a música que se ouviu não emanou dos sons automotivos “envenenados”, que se notabilizam mais pelo volume do que pela qualidade. Não, dessa vez não. Dessa vez o som veio mesmo foi da garganta dos ativistas, do tambor e das latinhas secas de cerveja, que viraram instrumentos musicais.
Enfim, pela primeira vez, depois de muito tempo, as músicas de Chico Buarque e Gilberto Gil foram ouvidas na Orla de Marabá, num dia para ser lembrado.