A
ameaça da expansão da covid-19 no sul e sudeste do Pará não apenas gerou
insegurança sobre os diversos projetos políticos e econômicos historicamente
situados na região, como nos despertou para os impactos da proliferação do
vírus em área caracterizada por intenso deslocamento humano em aldeias,
comunidades, cidades, acampamentos e assentamentos.
Sinalizamos
nesse escrito algumas possibilidades de antecipação ao entabulamento de
interesses econômicos em meio à crescente contaminação em Marabá, a defesa de
um amplo diálogo com os diversos sujeitos sociais da região e o posicionamento
do poder público ante a pressão da COVID-19, que em termos antropológicos se desenha
perigosamente como pânico social etiquetado de ressentimento e polarização
política.
O esmero do Comitê
de Enfrentamento ao Coronavírus, não pode vendar nossos olhos à necessidade do
estabelecimento de frentes de diálogo com movimentos da sociedade civil
organizada. A necessária presença do setor empresarial neste Comitê deveria ser
compartilhada com representantes dessa ampla sociedade, pois ainda que a
composição deste seja de autonomia do poder municipal, existe uma flagrante
ausência de voz da diversidade social.
Um exemplo desse
imbróglio é a relação entre as medidas do Comitê e o aumento de casos a partir
dos acontecimentos escalonados nas últimas semanas: no dia 18 de maio, quando
tínhamos em Marabá 326 casos, a Procuradoria-Geral do Estado comunicou que a
prefeitura de Marabá solicitara a retirada da lista de cidades que deveriam
instaurar o lockdown, o fato ocorreu no mesmo dia em que alguns funcionários e
comerciantes, em manifestação, solicitaram ao gestor municipal a “reabertura do
comércio”.
Na sequência, dia
25 de maio, quando o Boletim Epidemiológico sinalizou para 664 casos, as autoridades municipais decidiram flexibilizar as
atividades comerciais, olvidando o estarrecedor aumento de 100% no número de
contaminados em apenas 07 dias! Hoje, 5 de junho de 2020, amanhecemos assombrados
com a contaminação de 1.374 cidadãos, o que significa que em 18 dias, desde a
não adesão de Marabá ao lockdown, sem falar na estratosférica subnotificação, tivemos
um acréscimo de 1.048 almas contaminadas e 104 óbitos!
Tendo
como referência o número de casos e as medidas de isolamento, os gráficos
abaixo expressam que em Marabá o aumento de contaminados é diretamente
proporcional ao enfraquecimento das políticas de isolamento social. A partir da
mesma semana em que Marabá se retirou do lockdown o número de casos confirmados
dobrou, considerando os dados da SESPA.
Ao
contrário de que se pensa, longe de propagar o pânico, pensamos que é nosso
dever sinalizar que medidas restritivas que se alternam entre o lockdown e o
respeito à capacidade de manutenção econômica pode ser a oportunidade para nos
desviarmos desse prognóstico. Para esse fim, sublinhamos que medidas autocráticas
ou tomadas isoladamente apenas fragilizam a legitimidade política e dificultam
o entendimento sobre a alarmante necessidade do isolamento social, em suas
distintas variações.
É
fundamental esclarecer que embora muitos não tenham outra escolha que não se
expor à COVID-19, há ainda uma grande parcela que está mais interessada no que vai
deixar de lucrar do que necessariamente no valor da vida, é importante então
definir que não se trata da “vida” como algo genérico, a vida na
impessoalidade, e sim a reivindicação de uma ética que seja capaz de colocar a
pergunta “quanto vale a Minha vida?” em
simetria com o seu complemento: “quanto vale a vida do Outro?”.
Almejamos
que as decisões de nossos representantes políticos estejam pautadas, não na
mórbida expectativa contábil do colapso no sistema de saúde, nem tão pouco na
ênfase desnecessária entre o tamanho da fonte da palavra “altas” em detrimento do
tamanho da fonte para “óbitos” no circulado Boletim Epidemiológico em Marabá e
sim na assertiva ética de que cada leito vazio significa o infinito valor de
nossas vidas.
Jerônimo
da Silva e Silva - Doutor em Antropologia. Universidade Federal do Sul e
Sudeste do Pará. E-mail: jeronimosilva@unifesspa.edu.br
Ana
Cristina Viana Campos - Doutora em Saúde Coletiva. Universidade Federal do Sul e
Sudeste do Pará. E-mail: anacampos@unifesspa.edu.br