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sexta-feira, 5 de junho de 2020

O valor da vida em tempos de covid-19


A ameaça da expansão da covid-19 no sul e sudeste do Pará não apenas gerou insegurança sobre os diversos projetos políticos e econômicos historicamente situados na região, como nos despertou para os impactos da proliferação do vírus em área caracterizada por intenso deslocamento humano em aldeias, comunidades, cidades, acampamentos e assentamentos.
Sinalizamos nesse escrito algumas possibilidades de antecipação ao entabulamento de interesses econômicos em meio à crescente contaminação em Marabá, a defesa de um amplo diálogo com os diversos sujeitos sociais da região e o posicionamento do poder público ante a pressão da COVID-19, que em termos antropológicos se desenha perigosamente como pânico social etiquetado de ressentimento e polarização política.
O esmero do Comitê de Enfrentamento ao Coronavírus, não pode vendar nossos olhos à necessidade do estabelecimento de frentes de diálogo com movimentos da sociedade civil organizada. A necessária presença do setor empresarial neste Comitê deveria ser compartilhada com representantes dessa ampla sociedade, pois ainda que a composição deste seja de autonomia do poder municipal, existe uma flagrante ausência de voz da diversidade social.
Um exemplo desse imbróglio é a relação entre as medidas do Comitê e o aumento de casos a partir dos acontecimentos escalonados nas últimas semanas: no dia 18 de maio, quando tínhamos em Marabá 326 casos, a Procuradoria-Geral do Estado comunicou que a prefeitura de Marabá solicitara a retirada da lista de cidades que deveriam instaurar o lockdown, o fato ocorreu no mesmo dia em que alguns funcionários e comerciantes, em manifestação, solicitaram ao gestor municipal a “reabertura do comércio”.
Na sequência, dia 25 de maio, quando o Boletim Epidemiológico sinalizou para 664 casos, as autoridades municipais decidiram flexibilizar as atividades comerciais, olvidando o estarrecedor aumento de 100% no número de contaminados em apenas 07 dias! Hoje, 5 de junho de 2020, amanhecemos assombrados com a contaminação de 1.374 cidadãos, o que significa que em 18 dias, desde a não adesão de Marabá ao lockdown, sem falar na estratosférica subnotificação, tivemos um acréscimo de 1.048 almas contaminadas e 104 óbitos!
Tendo como referência o número de casos e as medidas de isolamento, os gráficos abaixo expressam que em Marabá o aumento de contaminados é diretamente proporcional ao enfraquecimento das políticas de isolamento social. A partir da mesma semana em que Marabá se retirou do lockdown o número de casos confirmados dobrou, considerando os dados da SESPA.
 

Ao contrário de que se pensa, longe de propagar o pânico, pensamos que é nosso dever sinalizar que medidas restritivas que se alternam entre o lockdown e o respeito à capacidade de manutenção econômica pode ser a oportunidade para nos desviarmos desse prognóstico. Para esse fim, sublinhamos que medidas autocráticas ou tomadas isoladamente apenas fragilizam a legitimidade política e dificultam o entendimento sobre a alarmante necessidade do isolamento social, em suas distintas variações.
É fundamental esclarecer que embora muitos não tenham outra escolha que não se expor à COVID-19, há ainda uma grande parcela que está mais interessada no que vai deixar de lucrar do que necessariamente no valor da vida, é importante então definir que não se trata da “vida” como algo genérico, a vida na impessoalidade, e sim a reivindicação de uma ética que seja capaz de colocar a pergunta “quanto vale a Minha vida?” em simetria com o seu complemento: “quanto vale a vida do Outro?”. 
Almejamos que as decisões de nossos representantes políticos estejam pautadas, não na mórbida expectativa contábil do colapso no sistema de saúde, nem tão pouco na ênfase desnecessária entre o tamanho da fonte da palavra “altas” em detrimento do tamanho da fonte para “óbitos” no circulado Boletim Epidemiológico em Marabá e sim na assertiva ética de que cada leito vazio significa o infinito valor de nossas vidas.

Jerônimo da Silva e Silva - Doutor em Antropologia. Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará. E-mail:  jeronimosilva@unifesspa.edu.br
Ana Cristina Viana Campos - Doutora em Saúde Coletiva. Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará. E-mail: anacampos@unifesspa.edu.br