Foto:
Viviane Brigida/Arquivo MST
No
dia 9 de junho, a DECA efetuou a prisão de três militantes do MST no sudeste do
Pará. Manoel Souza, Eliana Tavares e Marcos Ferreira são acusados de um
assassinato ocorrido na noite do dia 16 de setembro de 2018, na reocupação da
Fazenda Cedro em Marabá.
Aos
olhos nus de quem leu as matérias que saíram nos meios de comunicação sobre o
ocorrido, é possível acreditar num crime banal ou motivado por alguma disputa
entre os acampados. Ou pior, que a organização tem um perfil de militantes
criminosos.
Entretanto,
o que se esconde atrás da simples tentativa de criminalização do MST envolve
muito mais do que o noticiado. Mais personagens devem constar nesse enredo,
cuja história se arrasta por mais de dez anos: o banqueiro Daniel Dantas e o
grupo agropecuário Santa Barbará ligado a ele, que se diz proprietário da
Fazenda Cedro.
Além
disso, deve-se também convocar e povoar ainda mais esse cenário da disputa de
terras paraense, o empresário Rafael Saldanha, que reivindica a posse da
Fazenda Santa Tereza, em Marabá, ocupada pelo movimento em 2014.
Com
esses novos personagens, vários elementos saltam aos olhos e o suposto crime
dos membros do MST contra um acampado pode ganhar outras dimensões.
Embora
pareçam distantes, a vida dos três presos e dos dois empresários estão
atreladas às disputas territoriais na Amazônia, que nunca cessam, apenas se
reconfiguram conforme a conjuntura, utilizando-se sempre dos velhos hábitos e
métodos.
O trio da discórdia
“Grande”.
Assim como era conhecido Alfredo Filho Rodrigues Trindade, assassinado durante
a ação de reorganização do acampamento Helenira Rezende, em 16 de setembro de
2018, onde era acampado.
O
crime, que passou a ser investigado pela DECA a pedido dos próprios acusados e
acampados, não teria, conforme menciona a Comissão Pastoral da Terra (CPT-
Marabá) que acompanha o caso, provas cabais ou cabíveis para levar a prisão do
trio.
Coincidência
ou não, os três presos pela polícia civil paraense são personagens que
estiveram envolvidos nos últimos anos nas principais ocupações de terras no
sudeste paraense.
Manoel,
Eliana e Marcos estavam na organização das famílias que reocuparam a fazenda
Cedro, (acampamento Helenira Rezende) do grupo Santa Barbará em 2018.
Dos
três, o mais visado é Manoel. Seu nome circula nas agências de pistolagem da
região a pedido dos fazendeiros que querem seu assassinato.
Antes
de ajudar na reorganização do acampamento Helenira Rezende, em 2014 Manoel e
mais 200 famílias organizaram o acampamento Hugo Chavez em Marabá, na fazenda
Santa Tereza.
Depois
de 4 anos acampado com os cinco filhos e a esposa, foram surpreendidos em 2018
por uma milícia armada e paga por Rafael Saldanha que queimou seu barraco e
incendiou os pertences da família, executando um despejo ilegal.
As áreas ocupadas
Dantas,
Saldanha e o MST travam uma batalha histórica na região. “Por isso querem nos
tirar da disputa por essas terras que são públicas e que deveriam ser
destinadas para a reforma agrária”, comenta Ayala Ferreira, do setor de
direitos humanos do MST.
A
fazenda Santa Tereza é uma transição histórica, servindo de propriedade aos
diferentes compadres latifundiários do Pará. Seus primeiros grileiros são os
temidos Mutran, antes donos das terras que margeiam a pista de Marabá a
Eldorado de Carajás, mais de 150 km pela PA 155.
Após
devastar o maior polígono de castanhas da história do Pará, a família teve sua
hegemonia quebrada por diversos fatores, entre eles as ocupações do MST em suas
terras, como as fazendas Peruana e Cabaceiras, em Eldorado dos Carajás e
Marabá, respectivamente.
Do
mais, conforme a oligarquia dos Mutran foi perdendo força, as terras foram
repassadas ao grupo Santa Bárbara, do banqueiro Daniel Dantas, e também para
Rafael Saldanha, como no caso da Fazenda Santa Tereza.
Já
a área em disputa na Fazenda Cedro teve sua primeira ocupação pelo MST em 2009.
A CPT de Marabá alega que parte do complexo da fazenda pertence à União e não
ao grupo Santa Bárbara, pois o documento que atribuía uma área da fazenda ao
grupo de Dantas era na verdade o que se chama no Pará de “título voador”,
quando o documento de um imóvel é usado indevidamente para comprovar a
propriedade de outro.
Caso
que foi confirmado pelos técnicos da Universidade Federal do Sul e Sudeste do
Pará (Unifesspa) em 2018 quando foram a campo para fazer o georreferenciamento
da fazenda.
Prenda-me se for capaz!
A
agilidade da polícia do Pará para prender Manoel, Eliana e Marcos mesmo sem
provas efetivas, conforme denúncia a CPT, faltou à justiça brasileira pra
prender Dantas e Saldanha.
Em
2017, Daniel Dantas estreou no Bloomberg Billionaires Index com uma fortuna
pessoal calculada em US$ 1,8 bilhão. A agência americana diz que o banco
Opportunity tem aproximadamente 500.000 hectares de terras no Pará, com mais de
20 fazendas adquiridas na região a partir de 2005.
Em
2004, seu grupo foi alvo da Operação Satiagraha, contra crimes de corrupção e
lavagem de dinheiro. Dantas foi preso duas vezes, mas terminou absolvido da
acusação de corrupção. Portanto, não se sabe até hoje a origem da aquisição de
terras massivas irregulares no Pará.
Já
Rafael Saldanha, que atentou contra a vida de Manoel no despejo irregular em
2018 com a atuação dos pistoleiros, foi réu na ação penal pela morte de
Onalício Araújo Barros (Fusquinha) e Valentim Silva Serra (Doutor),
assassinados em 26 de março de 1998 pela articulação do grupo de fazendeiros ao
qual Saldanha faz parte.
A
juíza de Parauapebas, Maria Vitória Torres do Carmo, decretou, após as
primeiras investigações do assassinato, a prisão provisória dos fazendeiros
Rafael Saldanha do Camargo e Geraldo Teotônio Jota, o “Capota”, acusados de
cúmplices nos assassinatos dos dois líderes do MST. Porém, o Estado do Pará
nunca cumpriu a determinação.
Diante
de tantos fatos que comprovam que a prisão dos três integrantes do MST pode
estar ligada à disputa pela reforma agrária na região e não ao assassinato,
cabe a juíza Renata Milhomem, atender ao pedido de revogação da prisão
solicitada pelos advogados da CPT.
Por Márcio Zonta
Da Página do MST