Páginas

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Boi gordo, povo magro!

 

                                            Crédito: Ceswal/iStock


Empresários gananciosos, governo incompetente e trabalhadores pobres sem consciência de classe. Esses três fenômenos aumentam o flagelo da fome no Brasil, ainda que o País seja o segundo maior produtor de carne bovina do mundo. Parece mentira, mas é verdade.

A estimativa da produção brasileira para este ano de 2021 é de 10,4 milhões de toneladas da proteína animal. Isso corresponde a 16,8% da produção mundial. Os números foram apresentados pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês), em matéria publicada no site agrosaber.com.br, do dia 30 de agosto deste ano.

Essa informação precisa ser confrontada com alguns fenômenos que temos enfrentado nos últimos tempos, como o aumento alarmante do preço da carne e, principalmente, a venda de carcaça de peixe e carcaça de frango e, agora também, a venda de ossos de boi, que até um dia desses eram doados na vergonhosa fila dos ossos Brasil afora.

Primeira pergunta

Existe um questionamento necessário a ser feito com base nestes dois cenários apresentados nos parágrafos acima. Se nosso agronegócio é tão pujante, tão forte, por que grande parte do povo brasileiro não tem o que comer? Uma pesquisa feita pela renomada Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que o número de pobres no Brasil saltou de 9,5 milhões em agosto de 2020 para mais de 27 milhões em fevereiro de 2021. Triplicou. A matéria sobre esta pesquisa está em O Globo, do dia 5 de abril deste ano.

Veja bem: de acordo com o site dinheirorural.com.br (de 06/07/2020), o preço do Dólar em alta faz com que as receitas geradas pelas vendas dos produtos ao mercado externo aumentam e, como consequência, “melhoram a remuneração do exportador, a balança comercial e a formação do PIB Agro e do Brasil”.

Venda em Dólar é prioridade

Ou seja, o grande agronegócio (e não o “agronegocinho”) lucra com o Dólar em alta e prefere alargar ainda mais sua escala de exportação, assim como fixa o preço da carne vendida no Brasil pela moeda americana, o que torna o produto escasso e, obviamente, mais caro. Ou seja, os mais pobres que se virem para comprar carcaças e ossos, que passaram a compor as prateleiras dos mercados.

Isso nos leva à inevitável conclusão de que o agronegócio trabalha desprovido de qualquer compromisso social, pois já tem demanda para sua oferta, então seu produto não vai encalhar, mesmo que milhões de seus compatriotas morram de fome.

Por que Real desvaloriza?

Outra pergunta necessária, para tentar voltar ao início da problemática, é: Por que o Real desvaloriza tanto? De acordo com a FGV, em 2020, o Real foi a moeda que mais desvalorizou entre as 30 mais negociadas do mundo todo e o Peso Argentino, segundo matéria publicada pela bbc.com (15/10/2020).

Pode-se procurar muitas respostas para isso, mas é muito provável que a instabilidade do governo brasileiro, a Babel na linguagem interna (que reflete numa política econômica indefinida), o desprezo pelo combate ao coronavírus e as ameaças constantes à ordem democrática, tornam o país inseguro para investimentos, o que enfraquece a nossa moeda a cada dia, porque afugenta investidores.

Consciência de classe

A pergunta que sobra agora é por que o trabalhador pobre não se une ao desempregado e inicia uma ampla campanha por comida na mesa, saúde e empregos. A resposta para isso é que o brasileiro não tem consciência de classe. Via de regra, mesmo o mais pobre acha que sua condição social é passageira, pois ele está destinado a integrar a burguesia. O trabalhador que tem rendimentos mensais de 5 mil Reais, por exemplo, acredita estar muito mais alinhado com o grande empresário que lucra milhões do que com o gari que recebe Mil Reais mensais e recolhe o lixo de sua casa. Não existe uma educação libertadora, capaz de impedir que o sonho do oprimido seja se tornar opressor, como alertava Paulo Freire, em sua obra Pedagogia do Oprimido (1968).

Enquanto isso...

... o agronegócio aumenta seus lucros e cresce sobre a montanha de miseráveis, espremidos nas sarjetas, na tragédia da fila de ossos, na vergonhosa mortandade que assola ao meio-dia, tudo isso no País que é o segundo maior produtor de carne do mundo.

E é sobre isso.

 

(Chagas Filho, jornalista, pedagogo e mestre em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia)