Estamos vivenciando um momento excepcional devido a pandemia.
A crise sanitária agravou profundamente a economia e as questões sociais no
país, o Brasil enfrentava um cenário de estagnação econômica, aumento do
trabalho informal, do desemprego e das desigualdades. Combinando isso com a
crise política, chegamos a situação catastrófica de mais 80 mil mortes e sem
ministro da saúde, o próprio presidente desmontou qualquer estratégia de
combate a pandemia, agora, com ajuda de prefeitos e governadores liberando as
atividades não essenciais, o cenário é imensurável.
Muitos estudantes e professores foram impactados pela
pandemia adoecendo, perdendo parentes, amigos, vizinhos ou tendo que cuidar de
familiares doentes. Muitos estudantes ficaram desempregados, suas famílias
estão em situação de vulnerabilidade. Não compreender que a pandemia aprofundou
problemas sociais, influenciando quem continuará ou não os estudos em escolas,
cursos ou em universidades é desconsiderar esses problemas e desprezar a vida.
Estamos em um momento que a prioridade das pessoas deveria ser cuidar da saúde.
Nesse cenário, os estudantes, os professores e os
trabalhadores prestadores de serviços da educação pública são pressionados a
retornar às atividades. A pressão ao retorno ocorre de diversas maneiras, uma
delas é a adesão ao ensino remoto de forma aligeirada, sem formação e suporte
técnico adequado aos professores e estudantes. Há o discurso de fazer e despois
avaliar o que deu errado e que está na hora dos professores saírem da zona de
conforto das aulas tradicionais, sem discussão mais profunda. O mais provável
com isso é o aumento da exclusão social de estudantes de famílias pobres, que
foram duramente afetadas pela pandemia.
Em momentos de crises muitos querem tirar proveito, como
oportunidade para implantarem seu projeto. Assim, deixou claro Ricardo Salles,
ministro do Meio Ambiente, quando falou que era o “momento de passar a boiada”.
Neste caso, a boiada é a expansão do ensino a distância, aumento da
privatização e mais lucro para as grandes empresas de serviços tecnológicos
educacionais que detém sistemas, aplicativos e plataformas digitais. A compra
dessas plataformas pelo governo colocaria milhões de reais nas empresas que
monopolizam o setor de tecnologias digitais educacionais. O governo é o
principal incentivador desse investimento, pressiona institutos e universidades
a aderirem ao ensino remoto, com a justificativa de que a universidade não pode
continuar sem atividades e que o trabalho remoto duraria apenas no período da
pandemia.
Sobre essa assertiva, destaca-se que as universidades não
estão “paradas”. Muitos técnicos e professores estão na linha de frente do
combate a Covid19 nos hospitais universitários, fazendo pesquisas em diferentes
áreas, seja para criar uma vacina, ou medicamentos, ou para compreender as
consequências sociais e econômicas da pandemia. O trabalho docente não se
restringe à ministrar aula, envolve também extensão, pesquisas e o trabalho administrativo.
Essas ações estão acontecendo, de forma limitada, mas estão sendo desenvolvidas
através do trabalho remoto.
No início da pandemia com a paralisação das aulas
presenciais prefeitos, governadores e secretários de educação tentaram
implantar o ensino remoto. Muitos de forma romântica colocavam que com a
pandemia o ensino a distância seria solução, como se abrisse uma porta de
oportunidades e novidades em meio a pandemia. Não demorou muito para a
realidade se impor, a minoria da população tem acesso a internet, a desigualdade
e exclusão são traços fortes e marcantes da sociedade brasileira. O adiamento
do Enem só reafirmou que milhares de jovens não tem acesso a internet para
estudar, a juventude universitária carece com a mesma limitação.
Qualquer forma de implementação de ensino remoto nas
universidades públicas é aprofundar a desigualdade. Em 2019 a ANDIFES divulgou
uma pesquisa que traçava o perfil socio-econômico dos estudantes das
universidades federais, e a constatação foi que 70% dos estudantes são oriundos
de famílias de baixa renda. Muitos dos estudantes não têm acesso a internet e
computador em casa.
A forma de ensino remoto que o governo tentar impor
para as universidades é transferir a responsabilidade para os professores. O
docente é que terá de arcar com os custos dos insumos (energia, plano de
internet, computador e espaço físico) necessários para preparar e ministrar as
aulas online. O lar do docente será uma extensão do trabalho no momento que
muitos professores/as estão com seus os/as filhos/as sem aula, ou com ensino a
distância, ocasionando maior atenção e tempo com as tarefas domésticas. Essa
realidade atinge muito mais as professoras, já que as mulheres são responsáveis
pela maioria dos trabalhos domésticos.
Outro aspecto, relevante a considerar é a diversidade
regional que influência as universidades, principalmente, nos campi que estão
distantes da sede em cidades do interior do estado com precária infraestrutura,
nestes casos, as dificuldades são maiores do que nos grandes centros urbanos.
Por fim, umas das justificativas para implantar o
ensino remoto é que será por um curto período, durante a pandemia. Há muito
tempo o projeto de Ensino a Distância (EaD) vem se desenvolvendo em ritmo muito
intenso no setor privado, tanto é, que as escolas e universidades privadas as
aulas não pararam. Mas nas universidades públicas há muito tempo os governos
vêm tentado expandir a oferta do ensino superior por meio da EaD, por ter custo
menor do que a modalidade presencial, é de fácil expansão de vagas e possibilita
precarizar, intensificar o trabalho e flexibilizar o contrato de trabalho. A
tática é estabelecer uma “nova normalidade” pós pandemia, não retornaremos ao
que era antes da pandemia, mas sob novos marcos que se estabelecem neste
momento, como algo eventual, de exceção que poderá se transformar em regra. O
ensino remoto de hoje pode se tornar o EaD de amanhã.
Ser contra o ensino remoto, não significa ser contra o
desenvolvimento tecnológico e sua utilização na educação. A tecnologia é capaz
de proporcionar inúmeros benefícios à sociedade. Mas da forma como vem sendo
pensada sua implementação apenas para a geração de lucro, intensificação da
exploração de trabalhadores e trabalhadoras tem servido para aumentar o abismo
da desigualdade e exclusão social. Por isso é importante a luta coletiva de
estudantes, técnicos e professores contra qualquer forma de exploração e
exclusão nas universidades.
Rigler Aragão professor da Unifesspa e militante do
PSOL
Edma Moreira Professora da Unifesspa e Coordenadora do
Sindunifesspa