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sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Boi gordo, povo magro!

 

                                            Crédito: Ceswal/iStock


Empresários gananciosos, governo incompetente e trabalhadores pobres sem consciência de classe. Esses três fenômenos aumentam o flagelo da fome no Brasil, ainda que o País seja o segundo maior produtor de carne bovina do mundo. Parece mentira, mas é verdade.

A estimativa da produção brasileira para este ano de 2021 é de 10,4 milhões de toneladas da proteína animal. Isso corresponde a 16,8% da produção mundial. Os números foram apresentados pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês), em matéria publicada no site agrosaber.com.br, do dia 30 de agosto deste ano.

Essa informação precisa ser confrontada com alguns fenômenos que temos enfrentado nos últimos tempos, como o aumento alarmante do preço da carne e, principalmente, a venda de carcaça de peixe e carcaça de frango e, agora também, a venda de ossos de boi, que até um dia desses eram doados na vergonhosa fila dos ossos Brasil afora.

Primeira pergunta

Existe um questionamento necessário a ser feito com base nestes dois cenários apresentados nos parágrafos acima. Se nosso agronegócio é tão pujante, tão forte, por que grande parte do povo brasileiro não tem o que comer? Uma pesquisa feita pela renomada Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que o número de pobres no Brasil saltou de 9,5 milhões em agosto de 2020 para mais de 27 milhões em fevereiro de 2021. Triplicou. A matéria sobre esta pesquisa está em O Globo, do dia 5 de abril deste ano.

Veja bem: de acordo com o site dinheirorural.com.br (de 06/07/2020), o preço do Dólar em alta faz com que as receitas geradas pelas vendas dos produtos ao mercado externo aumentam e, como consequência, “melhoram a remuneração do exportador, a balança comercial e a formação do PIB Agro e do Brasil”.

Venda em Dólar é prioridade

Ou seja, o grande agronegócio (e não o “agronegocinho”) lucra com o Dólar em alta e prefere alargar ainda mais sua escala de exportação, assim como fixa o preço da carne vendida no Brasil pela moeda americana, o que torna o produto escasso e, obviamente, mais caro. Ou seja, os mais pobres que se virem para comprar carcaças e ossos, que passaram a compor as prateleiras dos mercados.

Isso nos leva à inevitável conclusão de que o agronegócio trabalha desprovido de qualquer compromisso social, pois já tem demanda para sua oferta, então seu produto não vai encalhar, mesmo que milhões de seus compatriotas morram de fome.

Por que Real desvaloriza?

Outra pergunta necessária, para tentar voltar ao início da problemática, é: Por que o Real desvaloriza tanto? De acordo com a FGV, em 2020, o Real foi a moeda que mais desvalorizou entre as 30 mais negociadas do mundo todo e o Peso Argentino, segundo matéria publicada pela bbc.com (15/10/2020).

Pode-se procurar muitas respostas para isso, mas é muito provável que a instabilidade do governo brasileiro, a Babel na linguagem interna (que reflete numa política econômica indefinida), o desprezo pelo combate ao coronavírus e as ameaças constantes à ordem democrática, tornam o país inseguro para investimentos, o que enfraquece a nossa moeda a cada dia, porque afugenta investidores.

Consciência de classe

A pergunta que sobra agora é por que o trabalhador pobre não se une ao desempregado e inicia uma ampla campanha por comida na mesa, saúde e empregos. A resposta para isso é que o brasileiro não tem consciência de classe. Via de regra, mesmo o mais pobre acha que sua condição social é passageira, pois ele está destinado a integrar a burguesia. O trabalhador que tem rendimentos mensais de 5 mil Reais, por exemplo, acredita estar muito mais alinhado com o grande empresário que lucra milhões do que com o gari que recebe Mil Reais mensais e recolhe o lixo de sua casa. Não existe uma educação libertadora, capaz de impedir que o sonho do oprimido seja se tornar opressor, como alertava Paulo Freire, em sua obra Pedagogia do Oprimido (1968).

Enquanto isso...

... o agronegócio aumenta seus lucros e cresce sobre a montanha de miseráveis, espremidos nas sarjetas, na tragédia da fila de ossos, na vergonhosa mortandade que assola ao meio-dia, tudo isso no País que é o segundo maior produtor de carne do mundo.

E é sobre isso.

 

(Chagas Filho, jornalista, pedagogo e mestre em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia)

 

terça-feira, 10 de agosto de 2021

Bolsonaro expõe as instituições ao ridículo

 


O fiasco do desfile dos "blindados fumacês" mostra que Bolsonaro não é apenas corrupto; é incompetente também.

Acreditando que a maior parte da população apoia uma impensável volta da ditadura militar, o presidente Jair Bolsonaro, de forma oportunista, usou um exercício militar para tentar mostrar que as forças armadas estão com ele, como se os militares fossem seus capangas. É óbvio que o tiro saiu pela culatra. Essa não foi uma demonstração de força; foi mais uma demonstração do quão patético tem sido este ocaso do governo Jair Bolsonaro.

Os blindados passeando em número diminuto, soltando uma fumaça preta, mais lembravam o antigo carro fumacê soltando citronela. A atmosfera do Planalto Central ficou inteiramente poluída pela fumaça da derrota, do fracasso de um governo, que se presta a debater voto impresso em pleno Século XXI, quando sua prioridade seria devolver ao brasileiro mais pobre o poder de compra e retirar da fila do osso, nossos irmãos brasileiros que já passaram da inaceitável fase da segurança alimentar para o mais inaceitável ainda estado de fome.

Bolsonaro sabe que não será reeleito, porque fome dói e não há discurso que resista ao prato vazio. Por isso, tenta tumultuar o cenário político. Mas não é só isso. Todas essas tentativas de demonstrar popularidade, como as famigeradas motociatas, que já geraram até um acidente fatal, também carregam consigo a missão de desviar o foco da corrupção que está entranhada no atual governo e que a cada dia se mostra mais visível.

Para mal dos pecados de Jair, atos como o desfile dos “blindados fumacês” desta terça-feira (10) terminam por produzir efeito contrário daquele previsto por ele, ao mesmo tempo que expõem muito bem o que é o atual governo, pois mostram que Bolsonaro não é apenas corrupto, é também incompetente.

O famigerado toma lá dá cá com o Centrão, o escândalo das vacinas, a máfia das rachadinhas, o sigilo de 100 anos sobre as ações do presidente e dos seus filhos, a gasolina batendo na casa dos R$ 6,00, a carne virando artigo de luxo na mesa do pobre, não são questão de opinião, são fatos concretos que mostram que Bolsonaro consegue ser pior do que o político que “rouba, mas faz”. Ele rouba e não faz.

Tudo isso é muito ruim para o País, mas talvez o pior legado deixado por este governo nem será a miséria e o desemprego impostos aos mais necessitados (o que já é uma desgraça). O pior legado será o descrédito nas instituições e a incerteza sobre a continuidade da nossa democracia. Os excessos praticados em excesso pelo líder supremo da nação mostram que estamos sob perigo constante. Sobretudo porque boa parte dos brasileiros parece não perceber o abismo debaixo dos nossos pés e um palmo à frente de nossos narizes.

(Chagas Filho)

 

terça-feira, 22 de junho de 2021

Marabá: Receita do município cresce menos de 5% graças à inércia do governo federal

 


A Receita projetada para o município de Marabá deve subir de R$ 1,080 bi (em 2021) para R$ 1,119 bi (2022). O crescimento projetado nem chega direito a 5%. Isso ocorre porque o governo federal tem investido muito pouco no município de Marabá. Não há obras em andamento, apenas repasses constitucionais e de convênios firmados em governos federais anteriores.

A confirmação foi feita durante a audiência para votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), na Câmara Municipal de Marabá, nesta terça-feira (22). A situação foi confirmada tanto pelo secretário municipal de Planejamento e Controle, Karam El Hajjar, quanto pela vereadora Vanda Américo, presidente da Comissão de Finanças e Orçamento.

Pior do que não existirem obras com recurso federal é que nem existe previsão para isso. E olha que o prefeito Tião Miranda costuma dialogar com todos os governos. Aliás, Tião propôs ao presidente, quando de sua vinda a Marabá, parceria para duplicação das BRs 230, 222 e 155.

terça-feira, 15 de junho de 2021

O País das Maravilhas (Sobre o fim da indignação)

 


Antes, sediar uma Copa do Mundo era um desrespeito com o Brasil. Afinal o País precisa de hospitais.

Agora, sediar uma Copa América em plena pandemia, com mais de mil mortes diárias, é tranquilo.

Antes, se faltasse uma seringa em um hospital no interior do Brasil era culpa do governo federal.

Agora, o governo federal é avisado um mês antes sobre falta de oxigênio em hospitais e a culpa é do governador.

Antes, um ministro comprou uma tapioca com cartão corporativo e foi exonerado.

Agora, o cartão corporativo do presidente está sob sigilo, os gastos mensais chegam a R$ 1 milhão e tudo bem.

Antes, o filho do presidente tinha que limpar bosta de elefante no zoológico até morrer.

Agora, o filho do presidente compra uma mansão de R$ 6 milhões e centenas de imóveis e estamos falando de investimentos.

Antes, a gasolina a R$ 3,00 era inaceitável, motivo de postagens indignadas nas redes sociais.

Agora, a gasolina beirando os R$ 6,00 é motivo de piadas, de brincadeiras... dá pra pagar sim!

Antes, um processo de Impeachment liderado por Eduardo Cunha (preso depois por corrupção), era algo que iria moralizar o País.

Agora, uma CPI que investiga os responsáveis por centenas de milhares de mortes é politicagem porque quem está à frente é Renan Calheiros.

Antes, todos tinham que ir às ruas, vestidos com a camisa da CBF, protestar contra quele governo maldito, até tirá-lo do poder.

Agora, é preciso ficar em casa, caladinho, chorar, que dói menos, e esperar por 2022.

Antes, todos estavam indignados nas redes sociais com “a situação que está aí!”

Agora, falar de política na Internet é chato, cansa, desfaz amizades, pois os grupos de WhatsApp estão aí para diversão, putaria, piadas, futebol...

Afinal de contas, senhoras e senhores, estamos nos País das Maravilhas, onde a indignação é proibida.

Mas...

“Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca.” (Darcy Ribeiro)

 


segunda-feira, 14 de junho de 2021

Marabá: Entidades farão ato em frente à CMM


 

A partir das 9h30 da manhã desta terça-feira (15), em frente à sede da Câmara Municipal de Marabá (CMM), ocorrerá um ato em homenagem às mais de 419 vítimas da covid-19 em Marabá, e de repúdio ao título de “Cidadão Marabense” ao presidente Jair Bolsonaro. Na ocasião, sindicatos e movimentos sociais vão acender 500 velas e enfincar cruzes na frente da Câmara.

Entre as entidades que participarão do ato está o Sindicato dos Docentes da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (SindUnifesspa).

De acordo com a professora Cinthya Marques, coordenadora do SindUnifesspa, além das velas que serão acesas na escadaria, serão dispostas diversas faixas em repúdio ao projeto encaminhado pelo vereador Fernando Henrique, que solicita que seja outorgado ao presidente o título de “Cidadão Marabaense”.

“A gente considera que ele não contribuiu em nada com acidade em 2,5 anos de mandato e não merece esse título, além de ter contribuído com o genocídio inclusive de mais de 400 pessoas vítimas da covid em Marabá”, explica a professora.

quarta-feira, 9 de junho de 2021

Ao coisificar a natureza, coisifica-se o homem



Por Chagas Filho


A conexão do sujeito com natureza tem se convertido numa relação de domínio do primeiro sobre o segundo ente, conferindo caráter mercadológico (ou mercantil) para cada um dos elementos naturais, numa relação que, praticamente, ganha status jurídico, posto que “para o esclarecimento, aquilo que não se reduz a números e, por fim, ao uno, passa a ser ilusão”. (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 23). Hoje vamos falar sobre os impactos ambientais históricos sobre a natureza, que deveria colocar o homem numa condição de “superioridade” sobre o meio ambiente, mas, pelo contrário, o reduz a mercadoria também.

Quando os chamados “recursos naturais” sofrem esvaziamento de suas significações, para serem apenas uma mercadoria, aniquila-se o caráter cultural da natureza, como fonte de subsistência e aglutinação de vivências, de formação de povoados e de abrigo para práticas culturais e sociais.

Essa relação de dominação do sujeito sobre a natureza remove todos esses significados. O solo, as árvores, a água, têm suas múltiplas dimensões e interpretações esvaziadas de sentido, transformando-se naquilo que não são: uma ferramenta, um produto, um dispositivo de circulação de mercadorias, que têm a função de produzir outras mercadorias que simbolizam bem-estar na modernidade para o sujeito; ou passam a ser ainda a fonte de energia para construir essas mercadorias. Trata-se aqui de um exemplo clássico da escolha iluminista, que, historicamente, vem aprisionando as relações sociais numa equação matemática.

Há que se destacar aqui que essa mercantilização da natureza só faz sentido porque existe um fetiche sobre esse modelo de sociedade esclarecida, afinal como pode uma mercadoria ter valor se não existir sobre ela alguma espécie de encanto? Algum poder estético de atração? O que se pode responder sobre isso é que o encantamento da sociedade moderna, que instrumentaliza a utilização dos componentes naturais, é justamente o desencantamento produzido pelo esclarecimento, cuja missão seria a de emancipar o sujeito da barbárie, mas, segundo Rouanet (1987, p. 206), “acabou por decretar a irracionalidade da emancipação”, transformando-se meramente em razão instrumental, encerrando as potencialidades sociais à mera técnica, impotente diante da necessidade de libertar o homem de sua menoridade.

Nesse cenário, de instrumentalização social, a natureza precisa ser vista como algo a ser posto em funcionamento para o atendimento das necessidades de consumo, que produzem bem-estar e que negam a escuridão derrotada pelo esclarecimento.

Nesse contexto, o homem se torna um sujeito genérico. Perde-se o sentido de humanidade. A partir disso, o sujeito adentra no campo da alienação individual relativa à sua própria produção, que o leva a se alienar dos outros indivíduos também, já que os homens só se encontram para produzir e cada um em sua categoria de produção. A consciência livre é aprisionada no processo: separa-se os produtos próprios do trabalho, o trabalho do homem, da sua capacidade de ser humano.

O fetiche sobre a natureza certamente repousa em considerar que o trabalho humano realizado nessa esteira tem significado objetivo para o desenvolvimento de todos os envolvidos na própria natureza, mas em vez disso a natureza passa a ser apenas uma promessa que irá cada vez mais explorar as forças de trabalho daqueles envolvidos na produção das mercadorias, fazendo-os crer que este modo de vida é o novo sentido de humanidade.

Trata-se da produção de signos que projetam verdades inscritas na pseudo-individualidade do sujeito, na construção de um cenário de “falsa consciência esclarecida”, como definiu Sloterdijk apud Eagleton (1997, p.46). Desse modo, o fetiche produz uma sujeição que se vende como emancipação, conforme explicam Adorno e Horkheimer (1985, p. 156): “Todos são livres para dançar e para se divertir do mesmo modo que, desde a neutralização histórica da religião, são livres para entrar em qualquer uma das inúmeras seitas. Mas a liberdade de escolha da ideologia, que reflete sempre a coerção econômica, revela-se em todos os setores como a liberdade de escolher o que é sempre a mesma coisa”.

Assim, aprisionado no esquematismo da razão instrumental, o sujeito também aprisiona a natureza no mesmo habitáculo social em que está confinado. Ao mesmo tempo em que está reificado, reifica também a natureza, acreditando que a escolha de submeter a natureza ao seu eu, ao invés de submeter-se a ela, tratará um horizonte de prosperidade, de qualidade de vida, mas se trata aí de uma qualidade racionalizada, que nada mais é do que a quantidade de mercadorias que ele pode acumular.

Conceitos e nomenclaturas

A alienação e a fetichização em torno da utilização do meio ambiente reificam o homem a ponto de novas nomenclaturas surgirem. Não é mais um rio, por exemplo, agora se chama hidrovia, que passa a ser, na verdade, uma esteira de commodities, abstraindo-se os outros componentes que formam sua paisagem, como a floresta, o rio dos pescadores, biologia, ictiológica etc., tudo mais é turismo, desfigura-se o rio, da mesma forma em que se desfigura o trabalhador, cuja vivência está inscrita nesse território, conforme explica Lucáks (1989, p. 102), ao dizer que “esta mercantilização racional transforma até a alma do trabalhador: até as suas propriedades psicológicas são separadas do conjunto de sua personalidade e objetivadas em relação a esta para poderem ser integradas em sistemas racionais especiais e reduzidas ao conceito calculador”.

Desse modo, o que se vê é que quanto mais autônoma é a racionalização dos processos de produção, menos autônomo é o sujeito que integra este processo, já que não consegue mais alcançar a totalidade do seu trabalho, da sua função, de modo que se fragmenta enquanto indivíduo e fica mais distante da sua própria individualidade.

A partir dessa subsunção da natureza e do próprio sujeito ao esclarecimento racionalizado é que “o horizonte sombrio do mito é aclarado pelo sol da razão calculadora, sob cujos raios gelados amadurece a sementeira da nova barbárie”. (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 43). Trata-se da confirmação de que o homem subjugou a natureza em nome de salvar a ele e a ela própria, como quem aprisiona o canto de um pássaro, condicionando essa melodia, em troca de água e comida, coisas que o animal em seu estado natural sempre foi capaz de conseguir.

Adorno e Horkheimer se posicionam ainda mais claramente sobre isso: “Para a civilização, a vida no estado natural puro, a vida animal e vegetativa, constituía o perigo absoluto. Um após outro, os comportamentos mimético, mítico e metafísico foram considerados como eras superadas, de tal sorte que a ideia de recair neles estava associada ao pavor de que o eu revertesse à mera natureza, da qual havia se alienado com esforço indizível e que por isso mesmo infundia nele indizível terror” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 156).

O que é o esclarecimento?

É justamente esta civilização esclarecida que vislumbra em cada elemento natural a possibilidade de aferir recursos monetários, para, supostamente gerar progresso aos sujeitos, a partir do impacto sobre esta mesma natureza, porque o acúmulo de bens materiais é uma das características da sociedade moderna: o emprego e a renda são agora os elementos estruturantes de um processo de barbárie naturalizada, que só se consolida de maneira concreta quando alguém toma posse de um bem natural, quando um grupo de pessoas, tendo nas mãos a propriedade dos meios de produção, determina que um elemento natural é um elemento gerador de empregos, de recursos, de impostos; e isso produz sentido para aqueles que carregam em suas mãos apenas a força de trabalho. Nesse momento, as individualidades são subsumidas e a única escolha que realmente importa é dizer quem está contra e quem está a favor do progresso. Há os que receberão o uniforme da fábrica e há os que estarão na sarjeta.

Inconscientemente os sujeitos se encaixam na filiação ideológica pautada na promessa de emprego, elevando-o à condição de fazê-los escapar da pobreza material, mas que irá consumir longos anos de sua vida, pois o funcionamento do emprego vai mostrar – ao longo da história – que o sujeito nada mais é do que uma peça descartável. Escravizado num sistema que ele mesmo ajudou a construir, ele entrega, adiantadamente, sua força de trabalho para, depois de alguns dias, receber um salário que vale menos do que seu valor empregado.

O mais frustrante é que contra esse sistema de troca entre força de trabalho e recursos monetários, o sujeito nada pode fazer, a não ser atestar sua incapacidade, por estar na absoluta escuridão que se tornou sua busca pelo esclarecimento. Tornou-se o elo mais frágil dessa cadeia porque foi reduzido à condição de um mero recurso que está a serviço de algo maior, o mercado. Está enredado na antítese de sua tese, sem que o tal esclarecimento tenha lhe propiciado condições de emancipação para produzir uma síntese a partir desta encruzilhada em que se colocou.

“Para ler o Pato Donald”

Valendo-nos de uma interpretação crítica feita sobre a alegoria dos quadrinhos de Walt Disney, como forma de expressar o que se passa dentro do discurso que é reproduzido por este espiral de contradições no qual está enlaçado o sujeito, pode-se dizer que o trabalhador, neste cenário, está encerrado à figura do Pato Donald, que, conforme Dorfman; Mattelart (1971, p. 101), “representa bastardamente todos os trabalhadores que devem imitar sua submissão”, e aí os autores entram no conceito de “fantasmagoria”, cunhado por Marx (1996), que tenta explicar o resultado de processos de reificação do sujeito, como é este em torno da aceitação da instrumentalização do rio pelo capital transnacional: “O pato não é a fantasia, mas a fantasmagoria de que falava Marx: por detrás do ‘trabalho’ de Donald é impossível que aflorem as bases que desdizem a mitologia laboral dos proprietários, isto é, a divisão entre o valor da força de trabalho e o trabalho criador de valores. O trabalho gasto na produção não existe em Donald. Donald, em seu sofrimento e compensação fantasmagóricos, representa o dominado (o mistificado) e paradoxalmente vive sua vida como o dominante (o mistificador). (DORFMAN;

MATTELART, 1971, p. 101).

Desse modo, não é pueril afirmar que neste particular, assim como a fantasia é instrumentalizada por Disney para converter a sordidez do trabalho violento em doce aventura infantil, uma espécie de purgatório que vislumbra o paraíso do ócio, o encarceramento do trabalhador que agora está a serviço dos mecanismos que também aprisionaram o rio a um outro formato, é uma estrada tortuosa que vai lhe garantir, em breve futuro, uma grande quantidade de bens materiais que vão advir desse mecanismo de subsunção de sua vivência anterior. Por fim, da mesma forma que, em Disney (DORFMAN; MATTELART, 1971, P. 102), “a inocência encobre a perversidade indigna do sistema e o prêmio providencial reassegura à vítima que não deve questionar nem corroer os fundamentos de sua própria desgraça”, no progresso proposto a partir do regime de conversão do meio ambiente a um recurso natural, o trabalhador é parte – dolorosamente alienado, mas ao mesmo tempo anestesiado – de um sistema de premiação monetária, mas ilusória de um futuro promissor não apenas para ele, mas para a massa da qual faz parte.

 

 

Referências bibliográficas:

 

DORFMAN, Ariel e Mattelar, Armand. Para ler o Pato Donald: comunicação de massa e colonialismo. Paz e Terra 2ª edição, 1973.

 

EAGLETON, Terry. Ideologia. Uma Introdução. São Paulo (SP), Unesp, Boitempo, 1997.

 

HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro (RJ), Jorge Zahar, 1985.

 

LUKÁCS, G. História e consciência de classe: estudos de dialética marxista. Trad. Telma Costa; Revisão Manuel A. Resende e Carlos Cruz – 2° Edição, Rio de Janeiro: Elfos Ed.; Porto, Portugal, Publicações Escorpião, 1989.

 

ROUANET, Paulo. As Razões do Iluminismo. São Paulo (SP), Companhia das Letras, 1987.

 

quinta-feira, 27 de maio de 2021

Marabá terá ato “Fora Bolsonaro” neste sábado

 


Este sábado (29) é dia de protesto em todo país contra a política de morte e esfacelamento do estado brasileiro, promovida diariamente pelo atual governo federal. Uma carreata percorrerá a cidade do Centro de Convenções (Folha 30, Nova Marabá) até a frente do INSS no Núcleo Nova Marabá, com concentração às 8h. Recomenda-se que os pedestres se concentrem nesses locais.

O Sindunifesspa chama toda categoria às ruas de carro, moto ou bicicleta, com todos os cuidados necessários (máscara PFF2/N95, álcool 70% e distanciamento social), para lutar e resistir contra os cortes nas universidades públicas, que vão fechar suas portas caso não haja recomposição do orçamento, assim como o fim dos serviços públicos, se for aprovada a Reforma Administrativa, proposta pelo governo que tramita no Congresso.

 

#VacinaParaTodosPeloSUS

#NãoàReformaAdministrativa

#NãoAosCortes #auxilioemergencialde600

#paovacinaeducacao

 

quinta-feira, 6 de maio de 2021

Sobre Paulo Gustavo e o amor cristão

 


A morte do ator Paulo Gustavo desvelou mais um capítulo desses tempos de intolerância e falta de amor que vivenciamos neste “país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza”.

Na verdade, desde o internamento do ator (vítima de covid-19), as redes sociais já vomitavam ódio, desprezo e falta de zelo pela vida do semelhante.

Um pastor evangélico assumiu publicamente que estava orando pela morte do ator, enquanto religiosos atribuíam a doença ao fato de Paulo Gustavo ter “zombado de Deus”, como se enfermidade e morte não fossem fenômenos para os quais estamos todos destinados (bons e maus).

De tudo isso que temos o desgosto de ver nas redes sociais, tiramos a seguinte conclusão: muitos dos religiosos estão desprovidos da principal virtude teologal: o amor.

Para que os cristãos me compreendam, procurarei debater este tema dentro daquilo que dizem acreditar: a própria Bíblia.

Está escrito em I Coríntios capítulo 13, versículo 13: “Agora pois permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior deste é o amor”.

A pressa em julgar o semelhante, em apontar-lhe o dedo, simplesmente porque não comunga de determinada filiação religiosa, é uma prova inconteste de que falta amor a muitos dos pretensos cristãos.

Vejo nas redes sociais pessoas dizendo que Paulo Gustavo está destinado ao inferno, porque “no céu não entra qualquer coisa”, porque ele era gay.

Está escrito em Tiago, capítulo 4, versículo 12: “Um só é o Legislador e Juiz, Aquele que pode salvar e aniquilar. Tu, no entanto, quem és, para julgar o teu semelhante?”.

Quem somos nós para nos acharmos melhores do que Paulo Gustavo?

Dirão alguns: “Ah, mas é preciso se arrepender para ser ‘salvo’”.

Quem de nós conhece o coração do próximo?

E esse desejo pela destruição eterna do outro, que vimos nas redes sociais, direcionado neste momento a Paulo Gustavo, é apenas mais um aspecto de um movimento muito maior, que vem se alastrando entre os religiosos fundamentalistas do Brasil.

Há um ódio crescente pelo diferente, uma incapacidade de aceitar que algumas pessoas têm o direito de não serem religiosas, de não serem cristãs, porque ninguém é obrigado a nada! E se existe mesmo um Deus, talvez Ele saiba muito mais sobre nós e sobre nosso semelhante do que qualquer um de nós.

Nas redes sociais, grande parte dos cristãos não fala mais sobre o amor de Deus. O altar erguido na rede mundial de computadores endeusa outro mito, traz outra mensagem. Não se fala mais do caminho, da verdade e da vida. Agora é só violência, julgamento e morte.

A impressão que fica é que os ensinamentos do Jesus chamado Cristo parecem ter sido esquecidos.

Quando Jesus foi ao Monte das Oliveiras e começou a pregar, muitos de seus seguidores aguardavam um discurso de ódio, um chamamento para enfrentar a opressão romana, um sinal de arma. Mas Jesus trazia outras palavras, como “Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus” (Mateus, Capítulo 5, Versículo 9).

Para verificar o quão distante andam muitos cristãos dos ensinamentos de Cristo, basta confrontar o discurso de amor do “Mestre” com o discurso de ódio daqueles que se dizem seus seguidores.

Eu encerro esta reflexão com uma das minhas passagens bíblicas preferidas, que está em I João, Capítulo 4, Versículo 20: “Se alguém diz: Eu amo a Deus, mas odeia a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama a seu irmão, a quem vê, como pode amar a Deus, a quem nunca viu?”

Pense nisso, semeie amor, perdão, compreensão, tolerância, humildade, luz; nenhuma arma ou uma pedra devem estar em nossas mãos.

Amém?

(*) Chagas Filho 

quarta-feira, 31 de março de 2021

(1964) “Não podemos esquecer e nem devemos perdoar”

 


Crianças torturadas;

Ratos na vagina de mulheres;

Estudantes desaparecidos;

Sindicalistas mortos;

Jornalistas assassinados;

Dívida externa em patamar astronômico;

Abismo social institucionalizado.

O Golpe militar de 1964 foi uma mancha na nossa história sim!

Não há o que comemorar...“Não podemos esquecer e nem devemos perdoar, não! Eu não anistiei ninguém!” (Renato Russo)

Deixamos esse pequeno registro em nome dos sem nome, dos túmulos sem corpos, das famílias destroçadas, dos camponeses mortos e torturados no Araguaia; em nome do meu saudoso amigo Paulinho Fonteles, que foi chutado pelos coturnos covardes, ainda dentro do ventre materno, porque “filho de comunista não merece nascer.


(Chagas Filho)

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Sobre nossa Constituição e a prisão do deputado marombado

 


Promulgada no final de 1988, a Constituição da República Federativa do Brasil se tornou o maior instrumento legal de redemocratização do Brasil. O seu artigo 53, que trata da imunidade parlamentar, cantado em verso e prosa pelos passadores de pano do deputado que foi preso (Daniel sei lá de quê), defende a imunidade parlamentar para externar opiniões, não para cometer crimes. Mas não é só isso.

Justamente por ser uma carta de libertação de 21 anos do regime militar (marcado por assassinatos e torturas contra aqueles que justamente lutavam pela liberdade de expressão), a Constituição criou o instituto da imunidade parlamentar exatamente para que os parlamentares pudessem criticar a ditadura e defender a democracia, sem correrem o risco de ser presos, torturados ou mortos. O que o tal deputado fez foi justamente o contrário: ele usou a imunidade dada a ele pela democracia para pregar contra esta mesma democracia.

Não vou entrar no mérito da prisão em flagrante, porque nossa legislação ampara, por exemplo, o flagrante continuado, que é a permissão da prisão – sem mandado – mesmo depois das 24 horas do delito. Não conheço o processo e não tenho formação acadêmica para dizer se é um caso de flagrante continuado ou não. Sei dos crimes, porque todos vimos os crimes praticados pelo parlamentar marombado. Quem assistiu ao vídeo – em que ele defende o fechamento do STF e a tortura contra os ministros - e não viu nada demais nisso, nem deveria ter lido esse texto até o final.

(Chagas Filho, jornalista e pedagogo)

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

A normalização da barbárie e da corrupção


 

O Brasil está imerso em um lamaçal de tragédias que nunca imaginaríamos estar. Mas o pior nem é a barbárie em si, mas os desdobramentos que a tornam invisível.

Quando nosso presidente responde que não é coveiro ao ser questionado sobre o amontoado de corpos gerados pelo coronavírus;

Quando nosso presidente manda os repórteres à “puta que pariu” e diz que vai enfiar latas de leite condensado no “rabo da Imprensa”;

Ou ainda quando dispara “Pergunte pra sua mãe”, ao ser indagado sobre casos de corrupção envolvendo sua família;

Quando ele faz tudo isso e as pessoas riem, aplaudem, gritam “Mito”, “Mito”, da mesma forma que os nazistas ovacionavam Hitler, chamando-o de “führer”;

Quando todos esses acontecimentos se expõem diante de nossos olhos, é sinal de que grande parte de nossa sociedade já não se importa mais com a corrupção, já não cultiva mais o respeito e a civilidade que deveriam nortear as relações sociais dentro de uma democracia, por mais pueril que ela ainda seja.

Todas as vezes que o presidente profere desrespeitos à honra alheia, aos mortos, ao povo pobre, eu não fixo minha atenção para o ato em si, mas procuro canalizar meu olhar para as reações do público e é isso que me preocupa.

No afã histérico de manter suas convicções, os fanáticos que ainda defendem o presidente a ponto de colocar o próprio esfíncter na reta, são capazes de relativizar absolutamente tudo.

Professos cristãos são capazes de se tornar moucos para o palavreado eivado de turpilóquios do presidente, fruto de uma criação falha e uma vida desprovida de qualquer respeito ao outro.

Os “contra a corrupção” conseguem fazer malabarismos quase telecinéticos para justificar o saque aos cofres públicos, que acontecem de forma simplesmente escancarada.

Andei por um bom tempo arranjando intrigas nas redes sociais contra pessoas que espalham fakes, tentando mostrar que estavam sendo levados a erro. Inocência minha. Só depois de algum tempo percebi que os divulgadores de fakes sabem muito bem o que estão fazendo. Caiu a ficha!

O quadro é estarrecedor porque me leva a crer que o presidente não é um super vilão que controla a mente das pessoas, ele é apenas a representação de muitos de nossos irmãos brasileiros.

De tantas certezas que concretizei nesses últimos meses, foi uma dúvida que acabou me trazendo um certo alento: será que os fanáticos ainda são tantos assim ou eles são muitos apenas nas redes sociais? Espero que sejam mais barulhentos do que numerosos. O tempo dirá... se ainda sobrar alguma coisa do Brasil em 2022.

 

Chagas Filho, jornalista e pedagogo.

 

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

A solidão sabotada

 











Quando alguém me abraça,

não é o abraço do outro que eu sinto.

É o meu corpo sendo abraçado.

 

Quando alguém beija minha boca,

não é a boca do outro que eu sinto.

É a minha boca sendo beijada.

 

Mas quando meu corpo entra no teu,

não é o meu corpo que eu sinto.

É o teu corpo no meu.

 

(Chagas Filho)