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sábado, 13 de junho de 2020

Sobre o racismo, ainda é preciso dizer o óbvio


(*) Chagas Filho

Eu vou usar esse espaço para dizer apenas o óbvio, algo estranho, afinal de contas se está óbvio, nem deveria ser dito. Mas os tempos são estranhos e requerem que se diga o que todos deveriam saber. É preciso redizer que a Terra não é plana e que o Brasil é um país racista, sim! E o racismo aqui é pior do que nos Estados Unidos. Por quê?
Porque lá é escancarado. Isso é uma desgraça, mas aqui é ainda pior, porque o racismo está envolto em um manto de cinismo. Aqui ninguém se importa, aqui as vidas negras não importam, nunca importaram e todos sabem disso, até mesmo aqueles que insistem em negar.
O racista que, nesse momento, lê o que eu escrevo sabe que é verdade e sabe que eu sei que ele sabe, mas o cinismo mantém esse jogo de enganação, de negação da realidade, de desconexão com os fatos.
Veja: o assassinato de George Floyd, cidadão preto, por um policial branco, gerou uma convulsão social que rompeu as fronteiras dos EUA, mas aqui no Brasil temos centenas de “Georges Floyds”... e ninguém se importa!
Veja:
Agatha, “menina maravilha”, morta pela polícia no Complexo do Alemão


João Pedro, 14 anos, assassinado pela polícia no Complexo do Salgueiro


Evaldo Santos, morto pelo Exército no Rio de Janeiro, com 80 tiros, OI-TEN-TA TIROS! 80!


Claudia Silva, arrastada até a morte, por uma viatura da PM na Zona Norte do Rio


Amarildo Souza, pedreiro, morto e ocultado pela Polícia Militar


Miguel, de 5 anos, caiu do 9º andar do edifício da patroa de sua mãe, que fazia as unhas e o jogou à própria sorte dentro de um elevador


Esses são apenas alguns dos exemplos mais famosos. Há outros, há vários. E o que essas pessoas têm em comum? A cor da pele e a classe social. Mas ninguém se importa. Grande parte das pessoas prefere se indignar com uma vidraça de banco ou de boutique quebrada.
Há quem vá nas redes sociais minimizar as mortes negras; há quem faça piada. Não nos importamos, porque as pessoas pretas são “matáveis”, descartáveis...
E ninguém é racista, ninguém se admite racista. Quando são pegos, dizem que é brincadeira, que têm amigos pretos, que são pretos, nunca é sério, nunca é de verdade.

Para quem ainda não viu o óbvio diante dos seus olhos, saiba: o racismo é estrutural no Brasil, porque foi historicamente estruturado (eu sei que é repetitivo, mas é necessário repetir). De acordo com Maria Sylvia, presidente do portal Geledés, e Helena Teodoro, voluntária do Instituto de Filosofia e Ciência Sociais (IFCS), quando a escravidão foi abolida no nosso País, o Estado se precaveu por meio de medidas legislativas que possibilitaram a marginalização dos pretos no Brasil.
Para quem não sabe, foram criadas leis que proibiam os negros livres de comprarem terras, por exemplo.
As pesquisadoras chamam atenção ainda para o fato de que, quando os negros eram escravos, eram trabalhadores, ou quem você acha que fazia os serviços pesados? Mas após libertos foram rotulados de vagabundos, malandros, indolentes. Daí houve um incentivo governamental (um ano depois da Lei Áurea) para a vinda de europeus ao Brasil, que recebiam terras, animais e até algum dinheiro para começar a vida aqui. Já os negros, trazidos como bichos em jaulas dentro de navios, permaneceram sem terra, sem educação e sem trabalho.
Somos até hoje descartáveis, “matáveis”, a “carne mais baratado mercado”.

Para assistir ao vídeo sobre este assunto, abra o link abaixo:
https://www.youtube.com/watch?v=GRwHdRSn5b8

(*) Autor é jornalista, pedagogo e mestre em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia.